quinta-feira, 29 de março de 2012

AH... É EDMUNDO!!!!!!!

O mundo mudou,vivemos tempos estranhos,onde informações e sentimentos voam em 180 caracteres,onde nada fica o suficiente para se tornar identidade e onde as referencias mudam a velocidade dos nanosegundos.
Nesta sociedade tão asséptica,sem esquinas e apartada das utopias, que não abre  lugar para passionalidades,erros,arestas,o futebol é a trincheira da incongruência,é o lugar de memória que nos fás humanos,toscos,rotos,brilhantes e estúpidos.
Pelos campos,Brasil a fora,continuam desfilando tipos contraditórios,que teimam em preservar seu direito ao desencaixe,que sem pudor ou explicação ascendem vela a deus e ao diabo e que se perdem dentro de seus próprios labirintos.
Ontem,um país encantado,uma cidade apaixonada,uma torcida enlouquecida,prestou suas homenagens à um desses seres mágicos que fogem as explicações e declinam da necessidade de classificações e enquadramentos.
Com a chuva e a noite por testemunhos,São Januário gritou o nome de seu ídolo,agitou bandeiras e chorou a alegria de ter novamente em campo a genialidade dos loucos e aquele homem,que do gramado olhava incrédulo a adoração derramada em seu nome,devolveu o que recebia da forma mais genuína,reverenciando a arte que o fez grande e a emoção que o fez frágil.
Edmundo terá para sempre seu nome e sua alma marcados no coração de cada brasileiro que se sabe certo e errado,de cada jogador que se sabe inteiro e partido e de cada Vascaíno apaixonado que tantas vitórias deve a este homem cuja existência foi marcada pela sinceridade do amor ingenuo e urgente tão comum as crianças e aos animais.

terça-feira, 27 de março de 2012

Uma História Para Contar.

Semana passada fui visitar minha cidade,já fazia um bom tempo que não a via e antes de começar minha jornada,um certo medo se acercou de mim.
-"Como será que estão as ruas da minha infância?Aqueles lugares de memória que hoje confundem minha lembrança,transformando tudo em paraíso?
-Como será que vivem aquelas pessoas que povoaram minha adolescencia de aventuras tresloucadas e deixaram para sempre sua marca no meu sorriso?"
Todas aquelas perguntas subindo e descendo na minha cabeça,se misturando a vontade de ir e ao receio de descobrir que o que me fazia abençoar minha terra com a lágrima da saudade,era só ilusão provocada pela distância!
Lá fui eu,fantasiada com a adolescencia que nunca me abandonou,jeans,camiseta,tênis e mochila,parti em busca do meu passado com o coração aos pulos.
Depois de horas que me fizeram do corpo um bagaço estragado,a cidade começou a se desenhar na minha frente.O subúrbio de casas amontoadas,roupas penduradas,meninos de bicicleta e biroscas com som alto,numa estética particular em que o feio e o bonito passeiam de mãos dadas.
As avenidas largas,cortadas por viadutos cinzas,num vai e vem de carros e buzinas,que aos desavisados pereceria completa loucura barulhenta e inespugnável.
Uma onda de alegria me invadiu e aos poucos,os cheiros e sons,a geografia das ruas,a alegria genuína e despreocupada daquela gente,foi se reencontrando comigo e fazendo com que me sentisse como se nunca houvesse saído dali.Cada lugar,cada gesto,cada som,rapidamente foi se encaixando dentro de mim e após longos anos expatriada,estava em casa.
Só,na Cidade Maravilhosa,revi meus lugares e minha gente com o silencio interno que convém aos momentos sagrados.Passeei pelas ruas e parques,caminhei tranquila com meus pés de passadas seguras sob as pedras portuguesas,sorvendo com calma toda aquela beleza ,fui a mil esquinas,entrei e sai de muitas vidas e de tudo guardava um pouco,como camelo que se abastece para o deserto que o espera.
Foram muitas as histórias que ouvi e contei,foram muitos os estranhos tão profundamente íntimos com quem dividi minha estada e me fiz dona de todos,mas,a despeito dos lamentáveis acontecimentos no ultimo jogo entre Palmeiras e Coríntias,conto aqui uma delas:
Era Quarta feira,dia de jogo pela Libertadores e fazia seculos que não assistia uma partida num Estádio,então,transbordando de felicidade,me mandei para São Januário.Poderia ter ido de ônibus,já sentindo o calor da torcida,mas,apesar de teimar com o tempo,não tenho mais vinte anos e achei o taxi um transporte mais de acordo.
Desci,fiz sinal,ele parou e eu entrei.
"- Me leva a São Januário,por favor?
-Positivo,direto para o "Caldeirão".
-Você é Vascaíno?
-Positivo
- E operante.Não vai ao jogo?"
Veio,então,um depoimento inesperado,lindo e delicado como poucos que já ouvi.
Aquele motorista me contou que é Vascaíno desde antes de nascer e que sempre frequentou os jogos do Vasco,mesmo os mais obscuros,até que durante a adolescencia,entrou para uma torcida organizada e de apaixonado torcedor se transformou em uma máquina de brigar.
Nada mais importava para ele,nem a mãe que desesperada implorava para que ele se afastasse daquilo,nem o time do coração que ele aprendeu a amar pelas mãos e o olhar do pai já falecido,nem os antigos companheiros de arquibancada,que de longe viam a mudança assustados.Nada além da próxima briga,do confronto porvir o movia.
Já não se encantava com os jogos,nem sabia que lugar na tabela seu time estava,a adrenalina da guerra o havia engolido.
Os anos foram passando e as brigas se acumulando em seu currículo medíocre.Um osso quebrado aqui,um olho roxo ali e mais uma camisa com o sangue alheio para a mãe lavar entre lágrimas e soluços de medo.
Assim foi até que um dia,num confronto com uma torcida rival,naquele tempo inimiga,ele apanhou por todos os anos em que bateu,virou um massa de carne exposta e ossos quebrados na calçada e viu a morte e o ódio lhe açoitarem.
Meses no hospital sem poder sequer falar,com tubos enfiados em lugares que nem ele sabia que existiam em seu corpo,dor e angústia nele e na mãe que o acompanhou incansável naqueles dias internado e na dura rotina dos hospitais públicos.
Após um bom tempo,de volta em casa e inteiro novamente,reviu sua trajetória e as escolhas que fez,olhou em volta e,por alguma razão que nem ele soube explicar,pensou em quantas pessoas ele havia presenteado com a dor e desespero pelos quais ele acabara de passar,tentou encontrar uma explicação que justificasse seu comportamento,mas,não havia e com a sabedoria e força que só os homens especiais tem,ao lado da mãe,tomou uma decisão e fez,a si mesmo,uma promessa:
"-Sou como um alcoolotra,e meu vício é a intolerância.Para mim,nunca mais jogos em Estádios!"
Hoje,toda vez que seu time entra em campo,ele liga o rádio e no carro ou em casa,ao lado de seu maior tesouro,sua filha de nove anos,ouve o jogo em paz! Se alegra quando o placar é do Vasco,quando as jogadas são maestrais,quando os títulos chegam e se entristece quando isto não acontece,mas,sabe que é só um jogo e que amor e violência não caminham juntos.
Na porta de São Januário nos despedimos,me desejou um bom jogo dizendo que estava indo para casa,"-É dia de futebol e pizza e minha filha me espera!" 
Toda a minha estada no Rio foi maravilhosa,mas, só este encontro já teria valido tudo.Quem dera outros torcedores em todas as cidades do Brasil,tivessem a sabedoria que teve aquele homem,toda luz e sorte para ele!